segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Oh happy day.

Na sexta-feira à noite, estive pela primeira vez numa festa de aniversário francesa. Foi óptimo: conheci pessoas espectaculares, tive direito a bolo de chocolate feito pela aniversariante (já internacionalmente conhecido!) e ofereci um ananás porque não encontrei flores. Hmm. Pois. É nisto que dá quando eu e a Linda descobrimos que afinal a festa é nesse dia, e não no sábado, que as lojas já estão fechadas e que é preciso recorrer à imaginação, rapidamente. Correu bem... a Nathalie riu-se imenso com a nossa solução! E pronto. Estreei-me nas festas caseiras parisienses... e gostei.

O jantar semanal com o meu grupo preferido de erasmus começa a ser um uso (pois, ainda não há convicção de obrigatoriedade, ihih). Ontem recebi chez moi a Linda, a Justina, o Pascal, a Ona e o Roland. Só para terem uma pequena ideia do que se passou, vou descrever a ementa: começámos por uma sopa finlandesa chamada "sopa dos apaixonados" (isto porque era assim para o cor-de-rosa, levava beterraba, mel e roquefort e mais uma data de coisas que eu nunca poria numa sopa), esparguete à bolonhesa cozinhado pelas lituanas (picante!) acompanhado por duas saladas (uma de tomate com chèvre e outra de milho, kiwi e maçã) seguido de arroz doce (tão bem sucedido que duas tigelas foram para casa de duas meninas embrulhadas em papel de alumínio... como eu adoro o efeito da doçaria portuguesa nos estrangeiros!).

Depois do jantar, ainda bebemos um copinho de vinho do Porto e petiscámos línguas de gato: a partida perfeita para a nossa estreia na Flèche d'Or, que de facto merece a fama que tem! Claro que uma noite tão bem passada só podia ser o prenúncio de um domingo ainda melhor... :] De manhã, acompanhei a Linda a uma lavandaria (daquelas que aparecem nos filmes, com máquinas enormes e pessoas esquisitas a dobrar camisolas), onde conheci dois americanos que estavam a percorrer a Europa de improviso, apenas com uma mochila e muita inspiração. Foi bastante interessante falar com eles... ao lado deste tipo de férias, erasmus não parece minimamente aventureiro! À tarde, ficámos num café do 5ème arrondissement, daqueles que cheiram mesmo a Paris (não Paris turístico, mas Paris da minha imaginação), e comemos uma tarte tatin deliciosa. Senti mesmo que estava com uma boa amiga, a ter uma conversa normal (e que falta me fazia...) num sítio aconchegado e genuinamente parisiense. Não há como descrever a sensação. C'est trop bon.

Quando pensava que o meu domingo não podia melhorar mais, convidaram-me para ir à Maison Européenne de la Photographie (cuja existência eu ignorava totalmente) e, obviamente, não pude deixar de ir. Fiquei surpreendida com a qualidade do espaço e das fotografias, bem como com a quantidade de coisas boas que se podem retirar de lá: as exposições são apenas uma parte; há uma biblioteca, uma videoteca, um café muito agradável e não muito caro (cujas mesas são fotografias olho-de-peixe!), conferências, lançamentos de livros, etc. Definitivamente, vou fazer o passe anual... :]

Para terminar o dia em beleza, um gesto muito querido da Ana, da Rita e da Marie: estavam alegremente a fazer crepes e resolveram oferecer-me um! Com Nutella, bien sûr!, que é o melhor que há! :D O momento ficou registado:


E pronto, vou dormir com esta sensação de alegria enorme. É tão bom quando começamos a viver esta cidade com mais calma e sabedoria... (talvez não nossa, mas das pessoas boas que vamos encontrando pelo caminho.)



Curiosidades do dia:
- sabem aquelas compotazinhas e manteigas que costumam servir nos restaurantes com o pão? aqui há dessas embalagens pequeninas de nutella! que vício... :]
- supostamente, o queijo roquefort foi descoberto por um homem que prestava mais atenção às mulheres que ao seu trabalho e que, por causa desse pequeno desvio de interesses, se esqueceu de queijo de ovelha e pão numa gruta durante alguns meses. et voilà, aquilo estragou-se e ele resolveu provar à mesma. que história tão má para um queijo que não precisa de mais do que o seu mero cheiro para me fazer torcer o nariz. (e, no entanto, depois de me ensinarem a comer aquilo com manteiga - que bomba calórica! - até já o acho tolerável...)
- a maior tarte tatin do mundo foi feita por um pasteleiro de Lamotte-Beuvron (a sul do Loire, na região centro de França) e tinha 2,50m de diâmetro! sim, é uma informação absolutamente inútil. mas, quand même!, 2,50m de diâmetro para uma tarte tatin é muito...

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Melancolia.


e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

Al Berto


[tenho saudades dos meus livros de poesia.]

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Drugstore Cowboy.

Ontem fui pela primeira vez à Cinemateca de Paris, ver o "Drugstore Cowboy" de Gus Van Sant. A sensação de estar naquela cinemateca é indescritível... e, ainda por cima, apesar de eu não perceber rigorosamente nada de cinema, tudo o que vi do Gus Van Sant até hoje me pareceu muito bom. :] A sala demasiado cheia e o estômago vazio não foram suficientes para me desfazer o sorriso: foi mesmo bom. É incrível... desde que vim para Paris, tenho sempre esta sensação de que as coisas boas superam largamente as coisas más. Espero continuar assim!

Então, agora, algumas coisas sobre o filme. "Drugstore Cowboy" (1989) pretende retratar a vida de um grupo de toxicodependente liderado por Bob (Matt Dillon) e a sua mulher (Kelly Lynch), que sustenta o seu vício através de numerosos assaltos a farmácias e hospitais. É curiosa a forma como a superstição acaba por ter um papel fulcral nesta história: o que começa por ser uma pequena piada, acaba por tomar conta do desenrolar do enredo, impondo-se no final como a suprema ironia. Bob e Dianne são uma versão altamente drogada de Bonnie & Clyde, mas acabam por se separar quando, na sequência de uma tragédia ocorrida no seio da "família", Bob decide largar as drogas e retomar uma vida normal. Achei particularmente interessante o papel de Tom, o padre (William S. Burroughs), um viciado muito fora do vulgar. Ainda mais interessante se torna se tivermos em conta que o actor, escritor e pintor era, na realidade, viciado em ópio... Mas mais não vos digo, senão não tem piada ver o filme!
Recomendo... não só o filme, mas também a cinemateca :]

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Do feijão verde ao arroz basmati.

Lição n.º 1 sobre os artistas em Paris: se se dizem artistas e organizam uma "scène ouverte" por semana, com direito a jantar comunitário, não são artistas. São pessoas com mau aspecto, que lembram os punks dos cães que pedem dinheiro na Morais Soares, que fumam ganzas incrivelmente mal cheirosas e que pasmam diante de um tipo a brincar com um diablo.

O que fazer, então? Voltar costas ao feijão verde pouco apetitoso e ir embora, rezando para não ter apanhado pulgas no sofá da garagem que serve de sala de convívio. (Estou a ser preconceituosa? Talvez. Mas vejam aquilo e depois falem comigo...)

Para compensar, jantei muito bem, num restaurantezinho muito agradável e com uma excelente companhia. Claro, o melhor disso tudo foi ser servida por um homem que podia muito bem participar neste clip:



De camisa verde-menta, a servir bebidas da mesma cor, a falar com aquele francês altamente (não) charmoso... e eu com uma vontade incontrolável de tossir e rir e fazer asneiras. O arroz basmati é o príncipe dos arrozes, mas aquele empregado era o príncipe dos homens pequeninos e ridículos que cabem numa arca congeladora!

[Obrigada por me teres acompanhado nas parvoíces.]

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Muitas coisas boas.

Nos últimos dias, tenho tido tantas coisas boas que nem consigo pensar muito no facto de ter adoecido: desde os mais pequenos pormenores práticos que melhoraram na minha vida (como o edredon, a pixie e a osga, os cachecóis e a boina, uma chaleira eléctrica e uma varinha mágica) até aos grandes acontecimentos (a visita da Catarina e da minha irmã mais velha), tudo leva a que o sorriso tenha de se sobrepor à tosse e à febre!

Em dois dias e pouco, percorri praticamente todos os locais de interesse turístico com a minha irmã e o meu cunhado. Claro que a companhia foi o melhor (e revigorante, porque as saudades vão corroendo devagar...), mas devo assinalar algumas coisas especialmente marcantes: subi à Torre Eiffel e visitei a Sainte Chapelle e o Sacré Coeur. Tudo isto pela primeira vez e com uma pessoa que é tão especial para mim - não é lindo? :] Esteve imenso frio, mas valeu a pena ficar com o nariz vermelho e os pés magoados...

Agora há que prestar atenção às aulas e aos eventos culturais que vão tendo lugar à minha volta. E olhos no futuro...

(estou tão feliz por ter uma família e uns amigos tão queridos que nem sei como exprimir a minha gratidão.)


P.S. - Nunca imaginei ficar tão contente com línguas de gato, canja instantânea, maria choc e fruta portuguesa! :]

domingo, 14 de outubro de 2007

Na casinha do Rei Sol.

Hoje esteve um dia lindo, com céu azul e sol radioso - o dia perfeito para visitar Versailles e o Palácio do Rei-Sol. Aviso, desde já, que vou escrever muito e mostrar muitas fotografias, para poder partilhar a minha visita de hoje com as pessoas que não estão aqui comigo mas gostariam de estar (porque, como me disseram hoje duas pessoas muito importantes para mim, se partilharmos ficamos mais ricos...)

Quando cheguei ao palácio, fui atingida por uma ligeira desilusão: saltavam à vista os andaimes das obras de recuperação de um dos edifícios e a entrada era toda em pedra, sem um único bocadinho de relva. Agora, sinto-me estúpida por ter achado que devia haver ali um jardim... de facto, bastou-me contornar o palácio para perceber que espaços verdes, fontes e estátuas não faltavam ali. A fila para comprar os bilhetes era longa e cansativa, com duas voltas e meia ao longo do pátio... mas, graças à boa companhia que tive, acabei por nem dar conta do tempo que efectivamente passou!


A primeira coisa a dizer em relação a Versailles é: "oh meu Deus, que coisa gigantesca." Suponho que todos os visitantes levem uma ideia de uma grande dimensão e uma expectativa de megalomania... mas eu juro que aquilo ainda é maior do que eu imaginava. Maior em tamanho e em exageros (porque é que os reis gostam tanto de gastar dinheiro em coisas rococós?)

Decidimos começar a visita pelo jardim e aproveitar o sol de início de tarde, deixando o palácio para quando a temperatura começasse a descer. Logo no primeiro lago, estava esta estátua giríssima que não faço a mais pequena ideia do que retrata. Mas é gira, não é? ;)

A Mariana fez a melhor descrição possível do impacto que se tem ao olhar para os jardins de Versailles: normalmente, tu tens a tua casa, o teu jardim e a vista; aqui, o teu jardim é a vista! Literalmente... porque, de costas para o palácio, tudo o que o olhar alcança pertence ao jardim. É simplesmente impressionante.

A tia da Mariana teve a ideia fantástica de alugar um buggy para que pudéssemos ver mais do jardim, por isso conseguimos dar uma volta e ficar com uma perspectiva geral. Foi óptimo, confortável e divertido :] Mesmo assim, não vimos a maior parte dos jardins e fontes, por isso fiquei com vontade de lá voltar especificamente para os ver (até porque os jardins são públicos, por isso, ao contrário do que sucede com TUDO O RESTO em Versailles, não temos de pagar para ir lá...)

Ainda assim, parámos algumas vezes para ver o que estava para além das sebes. Deparámo-nos sempre com várias alusões mitológicas, jardins bem cuidados e estátuas lindíssimas, realçados pelo sol que brilhava (com demasiada intensidade para os meus olhinhos, até!) e pelo céu azul.


[templo do amor, no domínio de Maria Antonieta.]

[o Grand Canal, que é mesmo grande, onde há barcos para alugar e tudo!]

Terminada a visita ao jardim, fomos em direcção à entrada do Palácio. Infelizmente, a Ópera estava fechada para obras e a capela estava fechada para um concerto, por isso devo ter perdido duas das partes mais importantes... mas, ainda assim, consegui espreitar o órgão de tubos e o tecto da capela, que eram lindíssimos.

["a toutes les gloires de la france" - exterior do pálacio.]

Acho que, se me pedissem para descrever Versailles, as três palavras que iria utilizar mais vezes eram: "dourado", "grande" e "exagerado". :P Já vão ver, por algumas das fotos que aqui pus, que tenho razão!


[todos os tectos do palácio de Versailles estão absolutamente cobertos de talha dourada e pinturas... nem quero imaginar quanto dinheiro o Luís XIV gastou só com pintores! diga-se de passagem que, apesar de ser um local inicialmente pensado para a caça, esta "casinha" acabou por ser uma grande homenagem à arte!]


Sobre a tão famosa galeria dos espelhos, tenho de dizer mais algumas coisas. Sim, é gigante e dourado e exageradamente ostensivo. É uma coisa absolutamente fantástica de todos os pontos de vista. Mas... se alguém tirasse dali a multidão de turistas e me deixasse olhar à volta em silêncio, talvez eu tivesse sentido que de facto estava ali dentro e talvez conseguisse deixar-me envolver pela opulência da galeria. Não, não fui capaz de sentir o estremecimento que esperava: acotovelada por chineses, empurrada por franceses, atingida pela corrida de um garoto espanhol, incapaz de tirar uma fotografia sem que me pressionassem para continuar a andar, incapaz de captar uma imagem que não contivesse dezenas de cabeças desconhecidas a escurecer a imagem que devia ser impecavelmente luminosa... não consegui sentir mais do que raiva por ser turista e, apesar disso, ter raiva aos outros turistas. Começa a ser um sentimento frequente aqui em Paris.

[possivelmente, a única foto da galeria dos espelhos sem cabeças de turistas.]

[chegadas a este quarto mui pobrezinho, eu disse: "não era capaz de dormir aqui". e não era.]

[bem sei que todas as fotos dos tectos do palácio são basicamente o mesmo, mas quis pôr aqui esta porque achei curioso o facto de quatro pinturas, uma no centro de cada parede, serem a preto e branco...]

[já nos aposentos do delfim: um globo terrestre e celeste, enorme e muitíssimo bonito.]


[ainda nos aposentos do delfim: a biblioteca, que tinha uns tons de azul muito queridos e que me pareceu o quarto mais habitável do palácio.]


[quarto da filha mais velha, bastante mais engraçado que o douradão da rainha.]

[10º baú guarda-roupa da filhota do rei. coitadinha, devia ter muito poucas coisas... ihih]


Terminámos a nossa visita pelos aposentos de Maria Antonieta, o Petit Trianon, muito afastados do palácio. Chocam com este a vários níveis: desde logo, são muito mais pequenos, muito menos dourados, muito mais toleráveis para o meu gosto. A cama era bastante fofinha, até, com um motivo floral próximo das sacas do pão :]

Daquele edifício resguardado das confusões e formalismos do palácio, fiquei com uma sensação de liberdade e autonomia que me fez sorrir... nem quero imaginar quão estupidificante seria viver constantemente rodeada de talha dourada, vénias e regras de etiqueta, festas, bailes e narcisismo. Imagino que uma pessoa normal sentisse vontade de reclusão, sede de cultura e de coisas mais genuínas. Enfim, toda uma imagem bastante contrária à ideia que eu tinha da Rainha - por isso, agora tenho vontade de saber mais sobre ela, sobre a sua vida, sobre a Revolução Francesa e o seu impacto na família real.

[Aliás, estou mortificada com o meu total desconhecimento da história de França. É ridículo! E sinto muito essa falha quando ando a visitar monumentos históricos... Tenho de comprar a "História Francesa para Totós"!]

sábado, 13 de outubro de 2007

Bisou+Fou.

Não sei o que acontece ao tempo aqui em Paris... mas parece que eu não tenho muito jeito para o agarrar, porque ele foge-me com uma facilidade impressionante! Bem, suponho que isso até seja bom sinal. Nesta cidade, há sempre milhões de coisas para fazer; e há sempre custos de oportunidade tão grandes que mais vale nem pensar muito nas coisas que estamos a perder enquanto fazemos outras!

Esta semana, já tive aulas práticas mesmo a sério a todas as cadeiras. Ainda assim, saí duas vezes ao longo da semana: na terça, fui a um barzinho aqui ao lado da Cité e na quinta voltei ao Ne Nous Fachons Pas, o meu bar preferido até agora! Essa noite foi muito boa: jantei aqui em casa com a Linda, a Justina, o Pascal e a Mariana (o habitual, ou seja, baguettes, queijos, vinhos) e depois fomos para o bar. Pelo caminho, divertimo-nos a tirar fotografias parvas e a noite acabou por ser apelidada de "soirée bisou-fou", à conta dos beijinhos e das caras de parvos que fizemos para a máquina! :]


[ataque de pânico no RER.]

[muitos bisous e já um pouco fou: Justina, eu, Linda.]

[esta é só para mostrar que também sabemos ser normais! :P]


Ah! Hoje fui ao Ikea comprar um edredon e lençóis - finalmente, sinto-me confortável na minha cama! Já não tenho de me preocupar com os pêlos e cabelos de outras pessoas! E posso lavar os lençóis todas as semanas! :P

À tarde, fui de novo a chinatown, já que o meu stock de noodles estava quase a acabar. Na primeira loja onde entrei, havia todo o tipo de bolos e bolinhos estranhos... e, como eu não sou NADA gulosa, ofereci a mim mesma um triângulo de pão-de-ló VERDE! :] E era bom! Parece que aquelas lojinhas ainda vão ter muitas histórias comigo...!

E pronto... não vos vou massacrar mais com uma descrição detalhada do que fiz esta semana (até porque, tirando o que contei, acabou por não se passar nada de especial, apesar de ter andado sempre MUITO ocupada...)

[Será amanhã que eu vou a Versailles?]


domingo, 7 de outubro de 2007

Nuit Blanche - ou presque.

Passou praticamente uma semana desde a última vez que escrevi aqui - não por não ter nada para contar, mas porque começo a achar que Paris é a cidade mais exigente que existe. Paris e a vida de Erasmus, talvez; principalmente dos Erasmus que querem fazer alguma coisa de útil na Faculdade. Não digo isto para me queixar, até porque adoro sentir-me ocupada e sei que isso me ajuda a passar os dias sem pensar tanto nas saudades de casa e na falta que certas pessoas, lugares, sentimentos e situações me fazem. Mas a verdade é que tenho um bocadinho de medo de estar tão ocupada. Tenho um monte de postais em cima da secretária há mais de uma semana e ainda não os escrevi. Tenho um livro ao lado da cama há quase um mês e ainda não vou a meio. E isso é apenas indicativo de quão afastada de "casa" tenho estado.

Esta semana, fui tendo as primeiras aulas práticas de cada cadeira. Umas correram melhor, outras pior... continuo com algum medo de Urbanismo e ganhei algum receio relativamente a Fundamentais. Mas estou optimista: acho que não é impossível conseguir levar isto para a frente da melhor maneira possível.

No meio das correrias da semana, tive alguns momentos especialmente bons: fui à inauguração de uma exposição no Centro Georges Pompidou (obrigada, Simão!), jantei com a Linda e a Justina, fui a um bar espectacular em Pigalle com dois amigos da residência, visitei Chinatown, participei na Nuit Blanche, andei de Vélib pela primeira vez! Chinatown é um sítio muito especial... o facto de tudo estar coberto de letreiros em chinês e de os empregados das lojas nos atenderem quase como se não estivéssemos lá faz com que seja impossível não nos sentirmos estrangeiros. O que é curioso, porque também os chineses são estrangeiros em França... enfim, não sei explicar. Entrámos em várias lojinhas onde nunca faltava uma vitrina enorme com bonequinhos de porcelana, budas, hello kittys com kimonos (!), todo o género de quinquilharia que eu não posso imaginar na casa de ninguém. Os supermercados eram especialmente interessantes: encontrámos fruta que nunca tínhamos visto na vida, garrafões de molho de soja que pareciam garrafões de gasolina, embalagens decoradas com desenhos hilariantes, dezenas de variedades de noodles.
[embalagens de gengibre e outras coisas que não são nada fáceis de achar a bom preço em Portugal.]

[o tecto de uma das lojinhas.]

[aqui está um pequeno exemplo dos bonequinhos de porcelana - não é inacreditável?!]

[eu e um carro absolutamente cheio de flores - não chegámos a perceber porquê, mas havia 3 assim naquela rua.]

Como conseguem ver por esta última fotografia, ontem também comprei um trolley para ir às compras, como boa parisiense que pretendo ser! :P Claro, as baguettes ajudam a compor o look... :]

Ao fim da tarde, começou a Nuit Blanche - uma noite cheia de eventos (não muito bem programados) que deveria manter os parisienses nas ruas até ao amanhecer. Infelizmente, não tenho fotos de nada, porque fiquei sem bateria na máquina logo no jardim das Tuileries, onde começámos, mas vou deixar aqui uma imagem retirada do site do evento. Nas Tuileries, havia velas por todo o lado, formando um candelabro gigante ao fundo, esferas de fogo, cadeias de luz que ladeavam as alamedas do jardim. Foi um espectáculo lindo de se ver...


Depois, fomos até Notre-Dame, onde devíamos ter assistido a uma polifonia medieval - mas, à boa maneira francesa, o programa não correspondia à realidade, por isso chegámos apenas a tempo de um concerto de órgão. Como ainda era muito cedo e queríamos ver um espectáculo que começava às 3h da manhã, resolvemos ir um bocadinho para Pigalle, para o bar onde já tínhamos estado esta semana (ofereceram-me uma rosa!) e depois regressámos à rua. Tentámos ir à projecção de curtas do Michel Gondry, mas a fila era gigantesca, por isso não insistimos na ideia. Estivemos na Pont des Arts para ver um filme que poderia ter sido muito bom - se o sistema de som nos tivesse permitido ouvir alguma coisa de jeito. No filme, pedia-se a vários parisienses estrangeiros que dissessem uma frase na sua língua materna que os tivesse acompanhado no processo de adaptação a Paris, uma frase que lhes tivesse dado o desejo de continuar - promissor, não acham? E, no entanto, tristemente mal tratado...

Seguimos até Madeleine, onde esperávamos ver o concerto de Stradivarius, uma violinista que acompanha o instrumento com a sua própria voz. Claro que, ao fim de longos minutos sentados no interior da Église Notre Dame de l'Assomption (uma igreja da comunidade polaca) e de duas raparigas se terem lembrado de nos presentear com algumas músicas a duas (más) vozes, percebemos que não ia haver espectáculo.

Daí, fomos para a Église de la Madeleine, onde vi o melhor espectáculo da noite. Chamava-se "Les Souffleurs, commandos poétiques: la confidence des oiseaux de passage." A Igreja estava quase completamente escura, pelo que a luz azul que percorria os longos tubos que povoavam o espaço dominava o ambiente. Homens e mulheres vestidos de negro erguiam-se sobre plataformas, controlando o movimento dos tubos. Pausadamente, seleccionavam uma pessoa do público e deixavam-na conduzir o tubo ao seu ouvido; depois, sussurravam-lhe poemas em várias línguas, sempre acompanhados de tradução para francês. A banda sonora, repleta de sons de pássaros e outros ruídos mais inquietantes, bem como a lentidão com que os tubos iluminados se moviam, ajudavam a contribuir para a criação de um ambiente verdadeiramente único. O "meu poema" parecia ter sido verdadeiramente escolhido para mim. Estava mesmo a precisar de ouvir o que ouvi.

Seguimos para Bercy, onde visitámos a instalação Générik Vapeur, um autocarro completamente alterado, colocado na vertical e acompanhado de som, luz e imagem. O frio já começava a ser difícil de suportar e o cansaço a pesar demais, portanto fomos à procura de uma Vélib, as bicicletas que todos podem alugar para se deslocar dentro da cidade. Ao longo do percurso da Nuit Blanche, deparámo-nos SEMPRE com a ausência absoluta de vélibs - todas estavam a ser usadas. Encontrámos bicicletas ao pé do pavilhão gimnodesportivo de Bercy e iniciámos o caminho para casa, orgulhosos com a nossa descoberta. Não demorámos muito tempo a perceber que, afinal, não tínhamos assim tanta sorte: todos os postos de "estacionamento" estavam completamente cheios no caminho para a CiuP e tínhamos de trocar de bicicleta de meia em meia hora para não termos de pagar. Claro, pagar não era o pior. O pior era termos de estacionar a bicicleta, quando chegássemos a casa, nos lugares que não existiam. Como já era muito tarde (ou cedo, conforme a perspectiva), o RER já estava aberto, por isso acabámos por pôr as nossas vélibs na última carruagem e levá-las até Port-Royal, onde foi bastante mais fácil encontrar lugares vazios. Com tudo isto, já passava das 6h30 da manhã quando fui dormir... mas nem por isso consegui dormir até muito tarde - eram 11h e estava absolutamente desperta. Vamos lá ver se hoje me aguento a visitar museus... (é o primeiro domingo do mês, será que o consigo aproveitar?)

Da noite, resulta um sentimento vago de desilusão: o programa incorrecto, a ausência de cafés abertos ao longo de todo o percurso, o falhanço no tratamento de alguns espectáculos, a escassez de meios de transporte... claro que consegui compensar isso com outras coisas boas: a companhia, a viagem de vélib, aquele momento de poesia na igreja de Madeleine, a visão do céu límpido sobre Paris, coroado por um minguante luminoso, o folhado de limão e as gomas :]

[Sim, sim, ainda estou apaixonada por Paris, apesar de todos os percalços!]

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Fim-de-semana em Rouen.

Quando estamos longe, a ideia de um fim-de-semana em família faz-nos suspirar. Desta vez (como nos próximos meses...) não pude estar com a minha família, mas tive uma experiência bastante próxima - passei o fim-de-semana com uma família portuguesa em Rouen. A viagem para lá foi invulgar: o meu bilhete não servia como reserva de lugar, por isso passei todo o tempo sentada no chão do comboio, ao lado de um rapaz que parecia o Kurt Cobain e que escrevia poesia! Quando cheguei a Rouen, fui surpreendida por uma cidade medieval, carregada de história, com pináculos de igreja a salpicar a paisagem da "ville aux cent clochers".

A primeira coisa que a Catarina fez foi mostrar-me Rouen de um ponto alto, para que eu pudesse ter uma perspectiva geral da cidade - ideia genial. Depois, demos uma volta de comboio (sim, daqueles turísticos, mas foi giro!) pelas ruas principais, onde pude admirar a arquitectura medieval, as ruas estreitas e a organização da cidade. O primeiro sítio que visitei foi a catedral de Notre-Dame de Rouen, um monumento lindíssimo de arquitectura gótica dotado de uma torre em forma de lanterna, encimada por uma agulha neogótica com 151 metros de altura (a mais alta da Europa!). A fachada da catedral apresenta duas torres completamente diferentes: a Torre St. Romain e a "Tour de Beurre", assim denominada por ter sido paga com o dinheiro das indulgências na quaresma - as pessoas queriam meeesmo comer manteiga! Esta catedral tem ainda a particularidade de albergar o coração de Ricardo, Coração de Leão e de ter sido pintada obsessivamente por Monet (quase 30 telas...)!

[interior da catedral: a torre-lanterna.]

[fachada: à esquerda, a torre St. Romain; à direita, a "tour de Beurre".]

[uma das muitas casas lindas que se encontram pelas ruas de Rouen.]

Depois de visitar a catedral, fui em direcção ao Gros Horloge, um relógio astronómico do século XIV, com detalhes renascentistas, em perfeito estado de conservação. Este relógio marca apenas as horas, e não os minutos, mas contém ainda um "semainier", que indica o dia da semana em que nos encontramos através de uma gravura mitológica, bem como um mecanismo que indica as fases da lua. Visitámos também o museu do tempo, onde pudemos ver o interior do relógio, o atelier dos relojoeiros, assim como uma série de curiosidades relacionadas com o tema. É, sem dúvida, um local digno de visita!

[o Gros Horloge, infelizmente com demasiada luz por trás...]

[vista de uma das janelinhas redondas que existem no relógio.]

A seguir, fomos à Place du Vieux Marché, onde se encontra a Igreja de Santa Joana d'Arc, bem como o monumento aí levantado em memória do seu martírio (sim, dizem que foi ali que ela foi queimada...). Esta igreja tem uma tripla finalidade: honrar Santa Joana d'Arc do ponto de vista religioso, prestar-lhe homenagem pelo seu heroísmo (enquanto memorial civil) e ainda conservar os vitrais da antiga igreja de Saint Vincent, destruída na segunda guerra mundial. A arquitectura tem forte influência marítima, como ressalta da forma do tecto (casco de um barco) e das janelas (peixes estilizados). Os vitrais de 1520-1530 estão perfeitamente harmonizados com as formas modernas da igreja - é verdadeiramente um local maravilhoso.

[o tecto com influência náutica.]

[pequena amostra dos vitrais do séc. XVI.]

[Santa Joana d'Arc, martirizada no local a 30 de Maio de 1431, acusada de heresia, após ter contribuído para inverter o curso da guerra dos cem anos.]

À noite, tive direito a um jantar fabuloso em família e, depois, a uma saída com o Charles, a Anne-Laure e os amigos deles. Fomos a um bar numa das casinhas medievais da cidade - foi óptimo!

No Domingo, depois de me empanturrar em croissants :] fui com a Catarina, o Hélder e a pequena Constance a Dieppe, um porto magnífico a cerca de uma hora de carro de Rouen. O castelo estava fechado, pelo que não o pudemos visitar, mas o dia foi lindo: estava sol e calor, fomos almoçar as famosas moules com batatas fritas, passeámos na praia e ainda me ofereceram um crepe com nutella (o meu pequeno vício francês)! A praia de Dieppe não tem areia, mas antes pequenos seixos arredondados, que magoam imenso os pés descalços mas que acabam por ficar bonitos na paisagem. O mar espantou-me: não cheira a praia, como o "nosso", e é de um azul pálido, leitoso, cor de opala. Felizmente, o sol deixou-me molhar os pés :]

[castelo de Dieppe e mar!]

[o mar do canal da mancha, tão opala.]

[os famosos seixos, tão girinhos mas tão desconfortáveis! :P]

Antes de ir buscar as malas, ainda demos um último passeio por Rouen, onde pude ver as típicas "chaumières", casinhas com telhado de colmo, bem como as ruas arejadas da parte residencial da cidade, cheias de jardins, árvores e a floresta lá ao fundo!

Na viagem de regresso, consegui vir sentada... quando cheguei a Paris, ainda vinha com aquela sensação boa de ter estado "em casa", de ter dormido num colchão confortável, de ter tido algum miminho. Foi, sem sombra de dúvida, o melhor fim-de-semana que passei em França até agora, sobretudo por causa da Catarina, do Hélder e de toda a família - foram tão queridos para mim que nem sei como lhes agradecer!

Ainda vim a tempo de ir ao cinema e aproveitar o vale que me deram no banco, que acabava a validade no domingo! Fui ver "2 days in Paris", a história de um casal (uma francesa e um americano) que vão passar férias a Veneza e depois passam por Paris, onde a sua relação é posta à prova de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Não gostei do filme, por isso não vou fazer mais publicidade :P

Hoje comecei as aulas práticas e estreei-me na chuva parisiense: à hora de almoço, apanhei a primeira chuvada violenta do ano, que nem a roupa interior me poupou! E pronto, agora que já escrevi um post grande demais, vou dormir! :]