Apesar de a faculdade não nos ter dado a sexta-feira livre, eu resolvi oferecer uma ponte a mim mesma! Aceitei o convite (como sempre, generoso e simpático) da minha "segunda família" e fui passar uns dias à costa da normandia e da bretanha. Resultado: regressei a Paris sorridente, ainda boquiaberta com as coisas que vi e embalada no sentimento de ter estado quase em casa.
Deixei Paris na quarta-feira à noite e, desta vez, consegui um lugar sentada no comboio para Rouen! yey! :) Na quinta-feira de manhã, partimos em direcção ao Norte. A nossa primeira paragem foi em Arromanches, uma das famosas praias do desembarque. Aqui, pudemos ver ainda os restos de um porto criado pelos Aliados com o auxílio de gigantescos contentores. Toda a área à volta da praia estava cheia de alusões à segunda guerra mundial: não apenas pela presença de enormes pontes móveis utilizadas para transportar os tanques entre os barcos e a costa, mas também pela profusão de lojas de "souvenirs" militares.

[um dos contentores - que, visto assim, até parece um barquinho... mas não é!]
De Arromanches, seguimos para o cemitério americano da normandia. Ali tive o meu primeiro choque histórico... de repente, estar diante de 9.387 campas de soldados mortos na segunda guerra mundial, apertou-me o coração. Quase 10.000 pessoas... não seria possível conter o arrepio. Ainda por cima, quase 10.000 pessoas que morreram violentamente, longe de tudo o que lhes era familiar. Eeek.

O que também impressionava aqui era a dimensão estética do cemitério. Para além da relva minuciosamente aparada (com uma distância regular de um ou dois centímetros entre o final da relva e o início do caminho!), todas as cruzes estavam impecavelmente limpas, sem um único vestígio de musgo. Além disso, a geometria e a ordem afastaram este local da minha ideia mental de cemitério...

[vista do cemitério: a praia onde morreu uma grande parte dos soldados ali enterrados (*arrepio*), cinzenta e sob um céu carregado. perfeito para criar ambiente... ergh.]Dali seguimos para a Pointe du Hoc, onde pudemos ver vários bunkers entre o completamente destruído e o praticamente intacto. Mais uma vez, foi uma visita algo chocante, principalmente porque o solo estava completamente alterado pela explosão das (muitas) bombas americanas...

Ainda tivemos oportunidade de assistir ao cair da noite na costa; as nuvens densas aumentaram o efeito dramático que persistiu ao longo de toda a nossa viagem. Tenho a dizer (como já disse a algumas pessoas) que esta costa tem as paisagens mais românticas, em sentido literário, que eu já vi na minha vida. Belo, mas oh!, tão trágico. ;)

Nessa noite, ficámos em Granville, uma cidade situada já na baía do Mont-St-Michel. Na sexta-feira, almoçámos em Cancale, uma praia conhecida pelas suas ostras frescas e saborosas (até pareço um anúncio de televisão, ihih) que os turistas comem às dúzias à beira-mar, atirando depois as conchas vazias às ondas. Sabiam que os romanos já eram maluquinhos pelas ostras de Cancale?! :]

[aqui vê-se bastante bem o dramatismo de que falava há pouco... olhem só para o peso dessas cores, dessas nuvens, das falésias!]
[e o dramatismo continua - é dramático ver que ainda tiro destas fotos "i'm the queen of the world" aos 21 anos! :P]Ao fim do dia, chegámos a St-Malo, a cidade onde eu gostava de ter uma casinha de férias! :) Esta cidade fortificada deve a sua riqueza aos corsários que atacavam os navios estrangeiros (com a bênção de Sua Majestade, bien sûr!) e a sua fama a várias outras coisas: começando pela sua ligação ao escritor pré-romântico François-René de Chateaubriand, passando pela reconstrução e restauração magníficas operadas após o bombardeamento dos Aliados de 1944 e, claro!, culminando na magia de uma cidade robusta que resiste à força espantosa de marés violentas sem perder a beleza...
St-Malo tem ainda a particularidade de estar repleto de crêperies. Má notícia para a linha... mas excelente notícia para a gula, já que os crepes bretões são conhecidos em todo o mundo: salgados ou doces, com farinha escura ou branca, não há como não gostar. A juntar a isso, há as galettes de manteiga, absolutamente incontornáveis, bem como os típicos kouing-aman (que eu não provei, mas sei que são uma bomba calórica, assim com 200 ou 300g de manteiga para 400g de farinha - ou não fossem eles bretões!)


[atenção: estes enormes troncos de madeira estão ali para tentar quebrar a força das ondas antes que elas atinjam as muralhas. MAS uma grande parte dos troncos colocados ao longo da praia já estava completamente destruída...]
Nas ruas de St-Malo, é bom apreciar a arquitectura, bem como os detalhes: por cima das lojas, os sinais suspensos em ferro forjado; o chão irregular e a predominância do granito; o cheiro do mar que alcança o interior da cidade; o barulho das ondas (que só pude ouvir de manhã, bem cedinho, porque durante o resto do dia os turistas abafam tudo...)
[pôr-do-sol visto do interior da muralha.]
[esta era a torre de onde os corsários atiravam os mortos... creepy.]Portanto, dormimos em St-Malo de sexta para sábado e ainda pudemos passear por lá de manhã. Depois, seguimos em direcção ao Cap Fréhel, onde corvos e gaivotas animavam a paisagem desolada, e continuámos a nossa viagem até ao Mont-St-Michel.

Tudo o que eu tinha lido e ouvido sobre o Mont-St-Michel me fazia antever um local imponente e de uma beleza muito particular. Claro que, uma vez lá, concluí que, como em tantas outras coisas, só estando lá se pode entender a sua verdadeira imponência.
Curiosidade: os bretões e os normandos sempre se bateram pelo Mont-St-Michel. O rio que separa as duas regiões é o Couesnon e a natureza acabou por se decidir a favor da Normandia, já que o seu leito se transferiu para oeste, "oferecendo" o Mont-St-Michel aos normandos. Como diz o ditado bretão:
Le Couesnon a fait folie cy est le Mont en Normandie"
("Le Couesnon dans sa folie mît le Mont en Normandie")
O que começou, no século VIII, por ser um pequeno oratório, acabou por se transformar num importante mosteiro beneditino, nos séculos XII e XIII. O mosteiro servia de centro de estudos para os beneditinos e de local de peregrinação para os
miquelots, que vinham prestar culto a S. Miguel. Após a Revolução Francesa, o Mont-St-Michel ainda serviu de prisão e só um século depois é que foi reconhecido como monumento nacional...

Mais uma vez, as ruas valem por si: sinuosas, estreitas, irregulares, cobertas de referências medievais. O que empobrece a imagem é a extrema afluência de turistas que tornam quase impossível apreciar o que nos rodeia. Sim, eu sei que também eu sou turista, mas não consigo evitar este sentimento... é recorrente e inconsciente, não consigo deixar de odiar turistas, apesar de ser uma. [isso significa que me odeio a mim mesma quando passeio? :P]


Para terminar, nada melhor do que um pequeno vislumbre das areias brilhantes que rodeiam o Mont-St-Michel em alturas de maré baixa. Ah, as marés são tão estupidamente violentas que atingem velocidades de 10 km/h! Dizem os franceses que a maré sobe "à la vitesse d'un cheval au galop" e é extremamente perigoso passear pelos areais, não apenas por causa disso, mas também porque há areias movediças naquela zona. Quem quiser passear à volta do Mont-St-Michel tem de pagar a um guia, se não quiser ser literalmente engolido pela terra... :P


O regresso a Rouen foi calmo, apesar de demorado, mas é sempre bom ter a sensação de regressar a "casa". Hoje de manhã, ainda fomos correr para a floresta que fica lá ao lado... independentemente do (in)sucesso da boa iniciativa desportiva, ficam na memória imagens magníficas da floresta normanda no outono, dos tons quentes das folhas e da vegetação imponente. Valeu a pena ver e valerá a pena regressar (com máquina fotográfica, de preferência!)
[e agora, depois deste fim-de-semana de luxo, quem é que tem vontade de estudar?!]